Os mitos e os factos do colonialismo português

Fernando Rosas enceta este domingo um programa “sobre o moderno colonialismo português”, resume o historiador ao jornal Público.
“Uma sociedade colonial repousa numa violência quotidiana, jurídica, política, institucional, do dia a dia”, recorda Rosas, sublinhando que, não sendo esta uma série cronológica, abarca o período entre 1890, a Conferência de Berlim que dividiu os territórios africanos entre as potências europeias, e 1974, a revolução portuguesa e as independências das ex-colónias portuguesas. Continuando o modelo de 13 episódios de cerca de 30 minutos organizados de forma temática, o historiador e a sua equipa trabalharam dois anos e meio na produção, entre arquivos e filmagens em “todas as antigas colónias de África”, diz Fernando Rosas com algum orgulho. E já se pensa numa terceira temporada. Mas, para já, um olhar sobre o colonialismo português, entrando numa conversa em curso.
A discussão do colonialismo, do racismo e até de algum saudosismo e revisionismo tem perspassado a esfera pública portuguesa nos últimos anos. “É um debate que põe em causa a natureza do colonialismo português, o problema da nostalgia” desse regime e que põe em jogo “o racismo, a reemergência de um certo discurso desculpabilizador dos crimes do colonialismo”, concorda o historiador. “Esta série, sem procurar explicitamente esse debate, cai em cheio no meio dele, e tem relevância nas histórias que conta.”
História a História vai visitar e questionar “certos mitos vivazes da nostalgia colonial portuguesa”, explica Rosas ao PÚBLICO. Ideias feitas, filtros optimistas sobre uma história de violência. Como “o mito da pax imperial, de que o Império Portugês em África foi uma longa paz abruptamente interrompida pela subversão externa por parte dos movimentos independentistas” nos anos 1960, explica. A ele será contraposto o facto de que “mais de metade desses cerca de 100 anos foi de guerras – as guerras da ocupação e as guerras coloniais, da perspectiva colonial, ou as guerras de libertação, vistas da perspectiva dos movimentos que as fizeram”.
Dois outros mitos, como os categoriza, entrelaçam-se: o da “excepcionalidade lusotropicalista do colonialismo português, um colonialismo de face humana, de temperança cristã”, ao mesmo tempo que se ergue sobre “o trabalho forçado”, “a política de ocupação de terras” e o discriminatório “estatuto do indígena”, lembra o historiador. Esta suposta excepção mistura-se também com a ideia dos “brandos costumes do colonialismo português”, relembra Rosas, contraditos por uma polícia política do Estado Novo e pelas provas da existência de “uma série de crimes massivos que ficaram absolutamente impunes” durante a guerra colonial e não só. As visitas aos campos de concentração e às prisões políticas servirão de pano de fundo televisivo à análise do programa.
A série, estreia-se no dia 14 e será transmitida aos domingos na RTP2 e depois às terças na RTP África, sempre às 21h. História a História reflectirá ainda sobre a economia do Império, de Cahora Bassa, em Moçambique, à Diamang, em Angola. “É um fomento económico material, mas socialmente destinado, na sua essência e sua lógica, a perpetuar a presença e a hegemonia de uma minoria branca”, sendo a “população africana muito marginalmente beneficiada por isso. É um desenvolvimento que não gerou nem integração, nem crescimento económico no conjunto da sociedade”, lembra o apresentador.
O tema incontornável, o dos anos do fim, é o retorno. Um “grande drama, mas que é um drama com sucesso feliz”, defende o historiador, “que acaba por resultar, depois de muito sofrimento e complexidade, no sucesso da integração dos 600/700 mil que voltaram na jovem democracia portuguesa”.
Um dos mais populares historiadores portugueses, especialmente dedicado à história contemporânea, Fernando Rosas volta aos ecrãs com um tema que suscita tudo menos indiferença no público. Defende o uso do dispositivo televisão como ferramenta de divulgação histórica. “A história só faz sentido ser ensinada e investigada se permitir a devolução desse conhecimento para o público”, responde. “A história informa, não decide coisa nenhuma, mas dá a possibilidade de fazer escolhas.”


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